Este Blog foi criado por quatro amigos que tem um mesmo talento em comum: escrever. Cada qual com seu estilo, personalidade e idéias. Foram criados diversos textos, então decidimos publicá-los com a simples intenção de divulgá-los para que outras pessoas também possam desfrutar e se identificar.

sábado, 8 de setembro de 2007

Egoísmo?


As horas passavam e a impaciência aumentava. Os pés alternavam entre o ar e o chão em movimentos repetitivos, cada vez mais rápidos.
As horas pareciam não passar. A espera era longa, visto que esperar é uma de suas maiores agonias. As portas começavam a descer; aos poucos o número de pessoas ao redor diminuía e o furor das conversas fúteis ia se dissipando.
Devido à longa exposição, as mãos dele já se encontravam geladas. Numa tentativa frustrada de esquentá-las, ele as esfregava uma na outra, estralava os dedos das mais diversas formas possíveis, acabando por cruzar os braços suspirando.
O banco em frente ao bar, que ainda permanecia aberto por ter sido adentrado minutos antes por um desses típicos clientes inconvenientes, já não parecia tão confortável quanto parecera quando se sentou lá tempos antes. Mexia-se, trocava de posições como se nenhuma lhe agradasse, afinal. Ia, vinha, voltava, cruzava os braços, as pernas, descruzava, olhava com o canto dos olhos à procura de alguém.
Aos poucos a espera lhe pareceu insuportável. Idéias iam e vinham, martelando em sua cabeça. Nesse ponto, começou a questionar sua vinda e a conseqüente espera. “Será que valerá a pena? Será que ela virá? E se vier, será que corresponderá às minhas expectativas? Será bom como da outra vez? Será que durará o mesmo que durou da última vez?”
A última. Lembro-me como se fosse hoje. Ele não teve que esperar, o que já foi um bom começo. Naquele mesmo banco, logo que seu olhar foi em direção a ele na intenção de sentar-se, viu se aproximando do mesmo uma mulher de beleza peculiar. O seu cheiro pareceu exalar de longe, o perfume doce foi a primeira coisa a ser notada; o corpo logo em seguida, de belas formas, belas curvas. Ela se vestia de modo simples, porém com um estilo ímpar que valorizava o conjunto. O rosto era comum, de certa forma, porém a perfeição do sorriso a deixava encantadora.
Foi como se já se conhecessem: a conversa, as risadas, os gostos, as ironias, os “mimos”, as fotos, os fatos... O quebra-cabeça se encaixava de forma - quase - perfeita. Aconteceu de maneira um pouco rápida: uma mão encontrou a outra, um pouco trêmula, insegura. E assim, depois de um tempo, saíram de mãos dadas a passos largos em direção ao carro, como se cada minuto perdido fosse de extrema valia.
A música foi posta num volume agradável que permitia conversa. E assim se fez: trocaram experiências e expectativas entre trocas de olhares. A velocidade do carro foi sendo diminuída aos poucos, ao passo que as batidas no peito aumentavam de modo inversamente proporcional à desaceleração do carro, que parou próximo a um restaurante do tipo fast food que ficava na esquina. Porém, o lugar não fora escolhido porque estavam com fome, afinal nem intencionavam descer do carro, mas sim, pelo próprio local em si: sem muito movimento, escuro, tranqüilo.
O volume da música foi aumentado para abafar alguma tentativa de conversa, pois era chegada a hora de agir. As mãos que dirigiam até então encontraram-se novamente com as dela, firmes como sempre. Ela, em sua timidez enganada, apenas consentia nas ações, se deixando levar, sem atitudes, parecendo bela dama que segue os preceitos da hierarquia social. Típica. Ele, na sagaz estupidez dos rapazes, mas com um toque de delicadeza, roubou-lhe um beijo: seus lábios tocaram os dela, que mais pareciam feitos de algodão, dada a maciez que possuíam. As línguas entrelaçavam-se, cruzavam-se, moviam-se da melhor forma possível, desenhando desejos que saíam pela pele em forma de suor. Os beijos se repetiam ora lentos, ora vorazes, espalhando o calor que exalava dos hálitos para os vidros do carro, provocando borrões que acabaram por esconder a lua e o céu estrelado que outrora por eles podiam ser vistos.
A noite adentro já não era vista nitidamente. As poucas pessoas que passavam do lado de fora já não conseguiam apreciar os beijos que ali aconteciam. Ao tentar se ajeitar de modo mais confortável dentro do apertado ninho, as mãos dele esbarraram num dos vidros embasados, retirando a fina camada que cobria sua vergonha, deixando as marcas do ocorrido cravadas ali temporariamente, até que a brisa lavasse o ocorrido. E assim, concomitantemente, enquanto as pessoas na esquina à frente saciavam-se nos prazeres da gula, os dois saciavam-se nos prazeres da carne...
O tempo passava, e tempo é dinheiro.
E assim, ao final da noite, saciado em seu prazer egoísta, ele deixou-a no mesmo ponto em que se encontraram, no banco em frente ao bar. E ela foi, sem ao menos olhar para trás, saciada em sua ganância.
O carro partiu acelerado, levantando poeira, de vidros bem abertos para desfazer as marcas da vergonha. A música havia parado, restando apenas os gritos da consciência dele, que pesava a essa altura. Essa fora a primeira vez que esse “tipo de coisa” acontecera, sendo que depois, se sentindo mal por ter que se submeter a isso, prometeu a si mesmo que tal coisa não se repetiria.
Acostuma-se.
Deixando o devaneio e as lembranças de lado, mais uma vez ele se encontrava ali, parado, absorto em pensamentos, sentado naquele banco em frente ao bar quase vazio, à espera de “boa” companhia.
Os pés já haviam se aquietado. As tentativas de esquentar as mãos já tinham sido esquecidas. Mas os questionamentos em relação à sua vinda e à espera eram cada vez mais freqüentes.
As mãos foram em direção ao bolso, sentindo a chave do carro ali depositada. Por um instante, a vontade de pegar aquela chave, levantar e ir embora, acabando com aquela espera que tanto lhe agoniava, além da idéia confortável de não repetir mais uma vez aquilo que depois de feito certamente lhe traria conseqüências não muito agradáveis, foi interrompida pelo barulho e pela luz do farol de um carro que se aproximava aos poucos.
O carro parou com os faróis ligados e apontados em direção a ele, que se iluminava em meio a noite escura parecendo pequeno ali sentado, tentando observar o que acontecia dentro do carro com certa dificuldade devido à intensidade da luz que lhe vinha diretamente aos olhos.
Pôde ver a figura desfigurada de um homem pegando algo do que parecia ser uma carteira e colocando entre o corpo e a roupa da mulher ao seu lado, o pagamento pelos “serviços” prestados. Ela parecia estar ajeitando a roupa. Depois de um beijo mal dado ela pareceu olhar em direção a ele, ali sentado, e se apressar a descer do carro.
O farol se apagou por um instante. A falta de luz pareceu cegá-lo. Após alguns segundos, já recuperado da perda de visão temporária, ele pôde perceber uma certa familiaridade no carro que agora dava partida. O modelo, a cor, o adesivo que ele mesmo dera de presente e que estava colado num dos vidros. O carro passou pelo banco, e dentro ele pôde ver... Seu amigo, companheiro de trabalho, casado, que ao passar nem notou a existência dele ali parado, esperando a companhia daquela que ele acabara de deixar.
“Ele também?”. Sentiu vergonha por seu amigo. Sim, vergonha, não ciúmes, afinal não tem como ter ciúmes de alguém que nem “o pertence”, que ele nem conhece direito. Seu amigo, de quem a fidelidade nunca havia sido questionada, cujo caráter era admirado... Aquele fato pareceu travá-lo ainda mais. Sentiu-se mal, promíscuo.
A mulher que descera do carro, de uma beleza vulgar, vinha num largo sorriso, mascando chicletes, com as mãos estendidas para ele. Caminhava rápido, estava com pressa, a noite ainda poderia render mais. Ele olhava pra ela, estático. Analisava-a friamente. Sentia a mistura do seu perfume barato com o cheiro do homem que acabara de deixá-la. A maquiagem a essa altura já estava borrada, a roupa um pouco amassada. Ela parou na frente dele com uma das mãos estendidas, esperando.
Para ele, pensar que ela acabara de “trepar” com seu amigo, e que vinha agora se oferecendo como se nada tivesse acontecido antes, como se ele fosse o primeiro, último, único, não o agradou. Um de seus “defeitos” era ser egoísta. Não gostava de partilhar as coisas, muito menos as pessoas. Esse era um dos motivos da dor na consciência que se instalava nele após esse tipo de encontro. Saber que a pessoa com quem ele estava, que ele tocou, “amou”, mesmo que por alguns instantes, seria tocada por outros depois dele, conhecidos ou desconhecidos, e a realidade de não ter alguém que fosse só dele, o atormentava. Porque ele se apega fácil, toma posse de forma inconsciente e isso o consome depois, mesmo que ele não demonstre. Sim, ele se saciava, mas depois ia embora mutilado, com uma parte faltando: não o dinheiro que deixava com elas, mas elas, que iam embora para os braços de outros.
Vendo a hesitação em seus olhos, ela pegou em suas mãos. Ele fraquejou por um instante, parecendo ceder ao toque, mas logo depois soltou-a e a olhou nos olhos. Eles se olharam momentaneamente. Os olhos dela marejaram, percebendo que a pessoa à sua frente era diferente das outras. Parecia que ela lia seus pensamentos, que percebia as críticas, a situação em que ele se encontrava naquele momento. Numa última tentativa frustrada, ela o puxou pelo braço, de volta, como num suplício, chamando-o ao pecado, mas ele soltou-se e virou as costas. Ela, entendendo de certa forma o que se passava pela feição no rosto dele, virou-se envergonhada, sabendo o que ele estava pensando sobre ela, e de fato concordando. Mas ela se enfiou na noite escura novamente à caça, afinal, acostuma-se.
Ele saiu em direção ao carro, andando lentamente, como que apreciando cada passo, aliviado. Entrou no carro e deu partida. Um breve sorriso perpassou pelo seu rosto. Ele sabia o que fazer agora, havia percebido que não servia para aquilo. Havia tomado uma decisão. Acelerou o carro e sumiu em meio a noite que já findava.
E assim, foi à procura de alguém que fosse só dele; de alguém que prestasse; de alguém que não lhe apresentasse o risco de ser visto saindo do carro de seu amigo; de alguém que não tivesse que dividir com ninguém.
Egoísta... Afinal, a nem tudo acostuma-se nessa vida.


Por: Francisco Araújo Júnior